Há alguns meses, o escritor peruano Mario Vargas Llosa (1936-2025) nos deixou. Seu legado é enorme. Inúmeros romances, peças de teatro, ensaios, além de crítica literária e textos jornalísticos, publicados a partir de 1959.

Figura emblemática das letras latino-americanas, Lhosa tem obra com personalidade, como, aliás, ocorre com os escritores que se destacam. Tramas ágeis com eventuais toques autobiográficos, diferentes planos espaço-temporais, linguagem cuidada, porém fluida, histórias em diálogo com questões sociais e políticas da contemporaneidade.

“Travessuras da menina má” (2006) traz um pouco de tudo isso. Ricardo é tradutor e intérprete da Unesco. Um peruano que realiza, ainda na juventude, o sonho de viver em Paris. Seus planos são uma vida tranquila e previsível, sem maiores ambições. E tudo parecia caminhar nesse sentido, não tivesse ele reencontrado um amor da adolescência.

O cenário inicial desse romance cheio de desencontros é o bairro de Miraflores, em Lima. Estamos nos anos 1950 e Ricardo Somocurcio se apaixona pela chilena Lily, menina esquiva e misteriosa. Ficamos sabendo, ao final dessa etapa narrativa, que ela, ao contrário do que ostentava, era uma peruana de família humilde, que tentava trazer algum glamour à sua vida mentindo sobre sua origem.

Ele a reencontra na década de 60, em Paris, quando, amigo de um peruano envolvido com as forças revolucionárias, recebe conterrâneos a caminho de Cuba, onde passariam por treinamento para guerrilheiros. É o início propriamente dito do envolvimento entre os dois.

Lily não quer ser guerrilheira. Ela viu na oportunidade uma maneira de sair do Peru. Quer desistir da empreitada, mas é tarde para voltar atrás. Ricardo e a “menina má” combinam que ela irá a Cuba e ele a esperará. Porém, ela volta casada com um francês que trabalhava na embaixada em Havana. A Lily que Ricardo reencontra é uma mulher elegante e muito diferente da que o deixara.

Esse é só o começo de uma história que se repetirá ao longo das décadas em que o romance se passa. Lily mudará de maridos e nomes, dará pequenos (ou grandes) golpes. Trairá todos os maridos como amante de Ricardo, a quem abandonará toda vez que um projeto de ascensão social falhar.

Em meio aos personagens e às tramas que os envolvem, acompanhamos o transcorrer da história político-social e cultural que o mundo assistiu no século XX pós-1950. A Guerra Fria e as ditaduras na América Latina. O movimento hippie, o punk, o new age. A revolução sexual. As transformações na arte, na música e na literatura.

“Travessuras da menina má” é a história de uma paixão incansável. Sempre disposta ao perdão e ao recomeço. Um amor muito humano, demasiado humano. Romance divertido. Rico em fatos do mundo revisitados pelo olhar agudo de Lhosa em face do cotidiano. Um ótimo exemplo da escrita desse grande autor peruano!