“Sátántangó” foi o romance de estreia do vencedor do Nobel de Literatura de 2025 László Krasznahorkai (1954-). Publicado na Hungria, em 1985, este ainda é o único livro do autor com tradução para o português.
A Companhia das Letras prepara edição de “O retorno do Barão de Wenckheim” e “Herscht 07769”. Por ora, temos apenas “O tango de satã”, tradução literal do título, que, por opção editorial, foi mantido em húngaro.
Desnecessário dizer que um livro com tal nome tem temática densa, inquietante e algo apocalíptica. Além, é claro, de muita personalidade.
A ação de “Sátántangó” se passa em uma aldeia húngara paupérrima onde chove sem interrupção. Nesse espaço, personagens desesperançosos e sem rumo circulam em meio a casas e estabelecimentos em ruínas.
Chega, então, a notícia de que alguém que eles julgavam morto está a caminho. Os moradores se reúnem na taverna local. Passam a noite bebendo e dançando ao som de um acordeão à espera de Irimiás: “vinha um tango atrás do outro, e depois ele tocou o mesmo repetidas vezes”.
A noite é regada a excessos em um misto de euforia surda e desespero profundo: “Balançava o corpanzil para a frente e para trás, de acordo com a música, e quando chegou ao meio dela lágrimas caíram por baixo de suas pálpebras paralisadas”.
A chegada de Irimiás traz a esperança que inunda os corações carentes de perspectivas: “Eu preciso de gente que não tenha nada a perder e – principalmente – que não receie correr riscos....”. Esse sujeito misterioso, que assume ares de profeta e salvador, se diz capaz de tirar aqueles camponeses esfarrapados da miséria: “A excitação tomou conta do grupo”.
Um personagem relevante de “Sátántangó” é um médico alcoólatra que passa seus dias observando as pessoas de uma poltrona próxima à sua janela. Para cada uma delas, ele mantém um caderno no qual anota tudo o que observa. O médico se revelará fundamental nessa história densa e atordoante.
“Sátántangó” nos faz refletir sobre desintegração social e existencial, sonda temas obscuros e filosóficos, que surgem banhados por certo desespero niilista. Seus personagens flertam, todo o tempo, com o caos e o desespero.
Veja que a desesperança, que desnorteia e torna a mente propícia às armadilhas, aliada ao cenário sombrio, que pode ser a Hungria comunista ou qualquer outro lugar/tempo, fazem o romance muito atual.
Não é um livro fácil de ser lido seja pela trama, seja pela linguagem. Para se ter uma ideia do estilo do autor, “Herscht 07769” possui apenas uma frase que se estende por centenas de páginas. Ler “Sátántangó”, porém, não chega a ser um desafio. É, sim, um alimento à alma e à reflexão!
