REALIDADE E FANTASIA EM ‘PEDRO PÁRAMO’

“Pedro Páramo” é o único romance escrito pelo autor mexicano Juan Rulfo (1917-1986). Além dessa narrativa, publicada originalmente em 1955, o escritor publicou, em vida, o livro de contos “Chão em chamas” em 1953.
Apesar da produção pouco extensa – soma-se a esses dois volumes uma publicação póstuma que reúne textos esparsos –, Rulfo foi figura relevante para o boom da literatura latino-americano das décadas de 1960 e 70.
Um dos precursores do Realismo Mágico, Rulfo conquistou admiradores famosos, como García Márquez, Borges e Cortázar. “Pedro Páramo” acabou se tornando uma espécie de obra fundamental de um estilo que tornaria a literatura hispano-americana bastante conhecida mundo afora.
O romance conta a história de Juan Preciado, que parte rumo à cidade de Comala a fim de realizar o último desejo de sua mãe. Dolores queria que o filho encontrasse o pai, Pedro Páramo. A imagem que ela lhe passa do vilarejo tem algo de mítico: “Existe (...) a vista muito bela de uma planície verde, um pouco amarelada por causa do milho maduro. Desse lugar a gente vê Comala, branqueando a terra, iluminando a terra durante a noite”.
O vilarejo que Preciado encontra, porém, difere substancialmente das lembranças maternas. “Aquilo fica em cima das brasas da terra, bem na boca do inferno”, lhe dirá um estranho que o guia até o local. Comala é um lugar oco e sem vida: “olhei as casas vazias; as portas cambaias, invadidas pela erva. (...). Ao passar num cruzamento vi uma senhora envolta em seu xale, e que desapareceu como se não existisse”.
Comala é um vilarejo habitado pelos fantasmas daqueles que construíram a sua história. A presença dos mortos é, assim, elemento central da narrativa. A eles, resta narrar incansavelmente, em meio a sussurros, gemidos e gritos, vagando pelas ruínas e pelas memórias.
Veja que a morte não é um elemento passivo no romance. Pelo contrário, ela fala, interfere e se transforma em agente na narrativa. É através dela que o leitor descobre a identidade dos personagens e do próprio vilarejo, marcado pelo esquecimento.
“Pedro Páramo” nos mostra a materialização do abandono. O personagem que dá título à história é figura central desse vazio que se expõe a nós. Afinal, ele foi ausente como pai para Juan Preciado e como marido para Dolores. Falhou como líder dos moradores e faltou com suas responsabilidades para com o local.
O romance de Juan Rulfo possui distintos planos narrativos que se movem em meio a tempos variados. Não se trata de uma narrativa linear. Cada um dos personagens, ao introduzir suas respectivas histórias, faz com que narrativas diversas se entrelacem e coexistam, feito vozes fantasmagóricas.
Recentemente a Netflix lançou uma adaptação de “Pedro Páramo”. Fiquei impressionada com a fidelidade à história e aos diálogos. Mas, é claro que o filme não substitui a leitura desse excelente livro!