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O oriente no Amazonas

Coluna | LiteraturaO oriente no Amazonas

Sobre o autor

“Relato de um certo oriente” é o primeiro romance do escritor amazonense Milton Hatoum (1952-). Publicado em 1989, o livro levou o prêmio Jabuti em 1990 e ganhou uma “transcriação” para o cinema em 2024. Trata-se de “Retrato de um certo oriente”, dirigido por Marcelo Gomes, premiado na Espanha, disponível em plataformas de streaming.

O termo “transcriação”, utilizado pelo próprio Milton Hatoum, refere-se a um conceito de Haroldo de Campos e mostra que o filme não é uma adaptação do romance, mas tem roteiro pinçado do livro a partir do qual cria uma história particular sobre os temas que ele traz, em especial a imigração e o amor.

O que nos interessa, aqui, é o romance que deu origem a essa “transcriação. “Relato de um certo oriente” tem elaboração original e sofisticada. A história conta com várias vozes narrativas articuladas por uma narradora central. Trata-se da filha adotiva de Emilie, matriarca de uma família de imigrantes libaneses que chegaram a Manaus nas primeiras décadas do século XX.

A personagem, que retorna à cidade de sua infância após longos anos de ausência, chega à véspera da morte da mãe e a situação faz com que convoque outros personagens a registrarem fatos, eventos e percepções que envolvem a matriarca, em apelo à memória.

Esse exercício do contar, tão característico do livro, é muito interessante. Por um lado, ele nos faz retomar os narradores da literatura oral do Oriente. Há algo das “1001 noites” no livro de Hatoum. Veja que falar sobre Emilie é não deixar que ela e sua história morram. É o narrar que faz viver. Isso permite certo paralelo com Sherazade, que conta histórias para evitar sua morte e seu consequente desaparecimento.

Esse resgate do passado via memória, porém, surge, no romance, por uma perspectiva bastante moderna. Os relatos são sempre vieses pessoais das personagens, cheios de fissuras e imprecisões. Transparece, assim, certa melancolia quanto à impossibilidade de um retrato pleno de Emilie. Este se mostrará sempre aquém do vivido, como se fosse um debuxo, um rascunho, que ficará, evidentemente, a cargo do leitor finalizar. Afinal, ele se faz enquanto discurso e este será sempre parcial e fragmentado.

“Relato de um certo oriente” traz linguagem fluida, que nos embala com sabores e aromas, com imagens e paisagens, costumes e hábitos. Estes se deixam perpassar por certa nostalgia, que não é sentimental ou piegas. Ao contrário, ela nos faz viver esse outro tempo/espaço com os narradores, fazendo-nos compartilhar da saudade do que não vivemos. Eis um elemento importante do trabalho de um escritor. Fazer com que o leitor viva histórias e tempos que não são os dele. Circule por espaços outros. Experimente estéticas únicas. E se abasteça de lirismo. Recomendo!

Adriana Teles

Pós-doutora em literatura pela USP. Escritora e autora de diversos livros, dentre eles, Machado e Shakespeare, Intertextualidades (2017), Íris Negra e Dez Minutos no Museo (2023).

Milton Hatoum RELATO DE UM CERTO ORIENTE

Editora: Companhia de bolso (2008)

Páginas: 152

Preço: R$ 43 (Em sebos virtuais a partir de R$ 14)

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