Sophia de Mello Breyner Andresen (1919-2004) é uma das maiores vozes da poesia portuguesa. Digo que é, pois, apesar de ter nos deixado em 2004, sua voz ecoa entre nós, feito, aliás, seu nome, que a mim parece um verso, tamanha sonoridade e melodia.
Andresen, cujos versos são conhecidamente marcados pela beleza e pelo estilo direto, trabalhado com requinte, tem obra ampla, produzida ao longo de muitas décadas. Reconhecida pela crítica, ela foi agraciada com muitos prêmios, dentre eles o Prêmio Camões, em 1999, e o Rainha Sofia, em 2003.
Dentre seus livros, destaco, aqui, “O cristo cigano”, publicado em 2015, pela Companhia das Letras. Essa edição brasileira reúne dois livros publicados por Andresen na década de 1960: “O cristo cigano”, de 1961, e “Geografia”, de 1967.
A inspiração para a composição do primeiro, segundo a própria poetisa, veio de uma lenda sevilhana contada a ela por João Cabral de Melo Neto: “A palavra faca / De uso universal / A tornou tão aguda / O poeta João Cabral / Que agora ela aparece / Azul e afiada / No gume do poema / Atravessando a história / Por João Cabral contada.”
“Geografia”, publicado um ano após visita da poetisa ao Brasil, mostra a presença de Manuel Bandeira na poesia de Andresen: “Este poeta está / Do outro lado do mar / Mas reconheço a sua voz há muitos anos / E digo ao silêncio os seus versos devagar”. Os poemas desse livro trazem, ainda, cenas da infância da escritora, referências à cultura clássica, especialmente a Grega.
“O cristo cigano” e “Geografia” trazem muitos dos elementos que singularizam a obra poética de Andresen. A poesia concisa a buscar o elo entre o poeta e o real. A relação com o imaginário mítico. O panteísmo da antiguidade grega. Os substantivos concretos. Imagens do mar. Uma maneira muito especial de congregar a dimensão humana à natureza: “Altas marés no tumulto me ressoam/ E paredes de silêncio me reflectem”.
Destaco, aqui, o poema “Brasília”, de “Geografia”: “Brasília Desenhada por Lúcio Costa Niemeyer e Pitágoras / Lógica e lírica Grega e brasileira / Ecuménica / Propondo aos homens de todas as raças / A essência universal das formas justas”.
Essa é apenas a 1ª. estrofe do poema, que é longo, e aponta para um estar no mundo e um estar na escrita. Um espaço imagético enunciado de modo a produzir um efeito lírico que denota subjetividade e identidade. Versos que enunciam uma paisagem cultural que se constrói, no poema, de modo simbólico ao retomar um lugar físico que é também de reflexão social e estética.
Em “Brasília”, Andresen identifica a beleza e luminosidade gregas, os princípios poéticos e éticos norteadores de seu modo de escrever e conceber o lírico e os transforma em poesia.
“O cristo cigano” é um livro a ser lido e ser sempre revisitado. É necessário degustar cada poema. Cada construção. Cada elaboração. Se quiser ouvir “Brasília” acesse o QR code ao lado!
