Lampedusa e seu Leopardo
“O Leopardo”, romance de Giuseppe Tomasi di Lampedusa (1896-1957), teve recente adaptação pela Netflix, uma série composta por oito episódios. Não foi a primeira vez que a narrativa foi transposta para as telas.
O sucesso de público do romance fez com que fosse imortalizado no cinema em 1963. Uma produção estrelada por Burt Lancaster, Alain Delon e Claudia Cardinale em filme dirigido por Luchino Visconti.
Uma curiosidade sobre o romance é que, apesar de todo o seu sucesso, ele foi recusado por duas editoras e publicado somente em 1958, um ano após a morte do seu autor. Ao que consta, “O Leopardo”, ao aliar “realismo” e decadência, não teria seduzido os editores. Outro dado curioso é que, para compor o romance, Lampedusa parte da história pregressa de sua própria família, que descendia de nobres sicilianos.
“O Leopardo” é ambientado a partir de 1860, momento crucial do Risorgimento, movimento que buscou unificar a Itália que, naquele momento, era composta por um conjunto de pequenos Estados. O romance, ambientado na Sicília, acompanha uma família de aristocratas em meio à tradição e à mudança.
A história nos leva a acompanhar a trajetória de Dom Fabrizio Salina e de sua família, em meio ao passado aristocrata, em franca decadência, e à nova ordem, que os ameaça e implicará aguda mudança. São as forças revolucionárias e democráticas que se impõem por meio de embates duros, no período crucial da transição.
O príncipe Salina é pai de sete filhos e herdeiro de um título que permitiu à linhagem de que descendia, “fazer nada mais que adicionar das próprias despesas e subtrair das próprias dívidas”. Dom Fabrizio precisa aprender a circular pelo cenário que se impõe, o que implica decidir que postura assumir frente ao contexto que o surpreende na vida pública e privada.
O envolvimento amoroso entre o sobrinho do príncipe, Tancredi, um nobre falido e corajoso, que oscila entre as forças políticas opostas, e Angélica, uma jovem belíssima, rica e de origem pouco nobre, aponta para uma nova ordem. Algo que surge melancólico, desorientado e sensual.
O título do romance retoma o brasão da família, que traz um leopardo como símbolo e dá ao Príncipe seu apelido. Trata-se, é claro, de um dado que ganha estatuto irônico na história. Afinal, o leopardo que acompanhamos está tolhido de forças e de vigor político e social.
“O Leopardo” é um romance histórico envolvente e muito interessante. De enredo centrado nas mudanças político-sociais da Itália e da Europa no período, o único romance de Lampedusa não traz os dramas amorosos retratados pela série da Netflix. Aliás, difere dela em muitos aspectos, o que só acentua a importância de sua leitura. Trata-se de uma preciosidade da literatura italiana. E merece ser lido!
Adriana Teles
Pós-doutora em literatura pela USP. Escritora e autora de diversos livros, dentre eles, Machado e Shakespeare, Intertextualidades (2017), Íris Negra e Dez Minutos no Museo (2023).
O LEOPARDO
Giuseppe Tomasi di Lampedusa
Editora: Companhia das Letras
Páginas: 384 (2017)
Preço: R$ 70,90 (Em sebos virtuais a partir de R$ 18)