Transplante Haploidêntico
Os transplantes têm uma história marcada por avanços técnicos, imunológicos e farmacológicos ao longo do último século. O primeiro transplante renal bem-sucedido foi realizado por Joseph Murray, em 1954; o primeiro transplante pulmonar humano, em 1963, por James Hardy; o de fígado, também em 1963, e o de pâncreas, em 1966, ambos por Thomas Starzl; e o primeiro transplante cardíaco por Christian Barnard em 1967.
Apesar dessas conquistas, os transplantes permaneceram experimentais por décadas devido à rejeição imunológica dos órgãos transplantados e às complicações infecciosas. O desenvolvimento da imunossupressão, especialmente com a introdução da ciclosporina na década de 1980, foi fundamental para transformar os transplantes em terapias clínicas estabelecidas, permitindo um aumento significativo no número de procedimentos e na sobrevida dos pacientes. Assim, a partir dos anos 1980, os transplantes de órgãos sólidos passaram a ser amplamente realizados, com resultados cada vez melhores, aceitação internacional e grande destaque também no Brasil.
No caso do transplante de medula óssea, denominado transplante de células-tronco hematopoiéticas, a prática clínica iniciou-se em 1957. Com avanços progressivos em imunologia e técnicas de suporte, consolidou-se como tratamento para doenças hematológicas ao longo das décadas seguintes e foi consagrado com a outorga do Prêmio Nobel de Fisiologia e Medicina a E.D. Thomas e Joseph Murray em 1990.
Diferentemente dos transplantes de órgãos sólidos, em que a rejeição é um problema central, no transplante de medula óssea a rejeição é mínima. Contudo, os efeitos das células do doador podem ser devastadores para o receptor, pois podem atacar o organismo do paciente. Em alguns casos, o transplante pode ser realizado com células do próprio paciente (autólogo), o que evita esse risco e apresenta bons resultados em várias doenças. No entanto, a cura de diversas moléstias depende do transplante alogênico. Para sua realização, é necessária a compatibilidade do doador, geralmente restrita a irmãos HLA-idênticos ou a doadores encontrados em bancos de medula óssea.
Desde 1994, o grupo de Perugia, na Itália, buscou alternativas para superar essa limitação de compatibilidade. Assim, passou-se a utilizar transplantes em que o doador é apenas parcialmente compatível — os chamados haploidênticos. Essa estratégia permite que um número maior de familiares, inclusive pais ou filhos, possa doar, ampliando significativamente o acesso ao tratamento. Atualmente, o transplante alogênico de medula óssea haploidêntico já predomina nos Estados Unidos, segundo registros internacionais.
Os avanços e a relevância desse tipo de transplante são destacados em artigo de A. Fonseca–Hilal, publicado na Cancer Medicine em 2025, e em tese de doutorado da Escola Paulista de Medicina da UNIFESP, que analisam pacientes submetidos ao procedimento a partir de 2016.
Em conclusão, transplantes de rim, fígado, coração, pulmão e pâncreas são procedimentos consolidados, com programas estruturados em diversos países e taxas de sobrevida superiores a 80% em um ano para vários órgãos. Já o transplante de medula óssea, em plena expansão graças ao maior acesso a doadores, representa uma fronteira em constante evolução. O campo dos transplantes segue avançando, enfrentando ainda desafios como a escassez de órgãos, a seleção adequada de candidatos e o manejo da imunossupressão — que, felizmente, está cada vez mais sob controle.