PODEMOS REVERTER A EXTINÇÃO?
A criação de organismos semelhantes a espécies extintas, como no filme “Jurassic Park”, de Steven Spielberg (1993), deixou de ser ficção científica. Com o advento da técnica de edição genética, as tentativas de devolver espécies extintas à vida já estão em andamento. Mas será que é mesmo possível fazer “desextinções”? E devemos fazer isso?
Em abril deste ano, a empresa norte-americana Colossal Laboratories & Biosciences divulgou em sua página que havia “ressuscitado” uma espécie de lobo pré-histórico: “... pela primeira vez na história da humanidade, a Colossal restaurou com sucesso, por meio da ciência da ‘desextinção’, uma espécie outrora erradicada. Depois de uma ausência de mais de 10 mil anos, nossa equipe tem orgulho de devolver o lobo-terrível ao seu lugar de direito no ecossistema”.
O Aenocyon dirus, que foi contemporâneo do atual lobo cinzento, habitou a América do Norte entre 250 mil e 13 mil anos atrás, tornando-se extinto ao final da última Era do Gelo, juntamente com outros animais da megafauna, como o mamute - próximo animal a ser “desextinto”, afirma a empresa.
Para “ressuscitar” o lobo-terrível, os cientistas analisaram DNA preservado em dois fósseis e identificaram 14 genes relacionados à sua morfologia, os quais são distintos dos do lobo cinzento. Com o emprego da técnica CRISPR-Cas9, usada para cortar e modificar o DNA em locais específicos, os cientistas alteraram esses genes em núcleos de células sanguíneas do lobo cinzento, tornando-os semelhantes aos do pré-histórico. Esses núcleos foram inseridos em óvulos anucleados de um lobo cinzento, e os embriões produzidos foram transferidos para úteros de cadelas doadoras de barriga. Rômulo e Remo nasceram em outubro de 2024, e Khaleesi, em janeiro de 2025.
É inegável a notoriedade desse avanço tecnológico. Porém, cientistas e conservacionistas contestaram de imediato as conclusões da Colossal porque não houve reversão da extinção: com apenas 14 dos 20 mil genes do lobo-cinzento modificados, os animais produzidos não são, de fato, lobos-terríveis, mas híbridos. Questionaram também a afirmação de que a espécie “seria devolvida ao seu lugar de direito” e que “ajudaria a reequilibrar seus habitats”. Mesmo se fosse o lobo “revivido”, não haveria garantia de que o ecossistema de 10 mil anos atrás e o atual seriam os mesmos, nem de que o animal se adaptaria aos ambientes e climas atuais. Ainda pior, ele poderia se tornar uma espécie invasora e, sim, desequilibrar os habitats, eliminando as espécies nativas.
É digno de nota o potencial de uso dessa tecnologia em programas de conservação para introduzir variabilidade genética perdida em espécies ameaçadas. No entanto, questões éticas não podem ser ignoradas. Ben Minteer, professor de ética ambiental da Universidade Estadual do Arizona (EUA), alerta que: “A tentativa de reviver espécies perdidas é, em muitos aspectos, uma recusa em aceitar nossos limites morais e tecnológicos na natureza. A ‘desextinção’ reflete, portanto, um novo tipo de espírito prometeico que tenta alavancar nossa inteligência ilimitada e ferramentas poderosas para a conservação e não para o aprimoramento humano. Mas as coisas não terminaram muito bem para Prometeu”.
Claudia Carareto
Professora Titular em Evolução, orientadora do Programa de Pós-graduação em Biociências (Ibilce-Unesp). Pesquisadora Pq-CNPq. Membro do Editorial Board das revistas Mobile DNA e Frontiers in Genetics
E-mail: claudia.carareto@unesp.br