Há livros que merecem ser lidos e relidos. E faço isso, com prazer, quando me deparo com histórias contundentes ou com personagens densos que podem me trazer boas reflexões. Assim fiz com “O retrato de Dorian Gray”, de Oscar Wilde. E, para meu deleite, ele se abriu para mim com descobertas e impacto renovados.
Publicado em 1920, esse clássico nos apresenta uma crítica contundente à sociedade vitoriana e a seus valores superficiais. Entrega-nos um personagem narcisista que encarna tais valores e os vive até as últimas consequências, num movimento vertiginoso. E como Dorian chega a isso? Simplesmente adorando a si, priorizando sua beleza física e jovialidade em detrimento de uma vida pautada pelo bem e pelo afeto; buscando tão somente os prazeres; usando coisas e pessoas para sua satisfação. Mas tudo isso provoca uma espiral de voracidade e tédio, pois quanto mais se joga na busca desenfreada por algo que o preencha, mais se sente vazio. Assim, o protagonista encarna o “ennui”, o tédio profundo, o enfastiamento de quem provou de tudo, mas continua vazio.
No início do romance, Dorian se mostra como um jovem rico e ingênuo, que ignora sua beleza física descomunal. Mas, ao ver-se belíssimo em um quadro pintado por um amigo e admirador, tal qual Narciso, se entrega à autocontemplação e se deixa levar pela ideia de que a beleza é seu maior tesouro. E mais: deixa-se também levar pelo cinismo que Henry, uma espécie de mentor, vai destilando sobre ele. Tornando-se cada vez mais cínico, perde todo e qualquer freio moral, abandona afetos, e carrega a muitos em seu caminho de degradação. Sua trajetória assemelha-se à tragédia “Fausto”, de Goethe: no lugar de Mefistófeles, está Lorde Henry; em vez do pacto formal com o Diabo, o pacto simbólico com seu próprio desejo; no lugar da aquisição de conhecimento, o desejo de manter sua jovialidade e beleza intactas. Embora esse desejo seja atendido, seu narcisimo o leva a um caminho sem volta e o quadro, que se transforma em um espelho da alma, revela toda a sua podridão. Então, me vejo a pensar: embora estejamos muito distantes da era vitoriana, será que nossos valores mudaram? Como andariam hoje nossos pactos para adquirir, a qualquer custo, toda a superficialidade que nos é vendida? A vaidade, seja física, intelectual ou moral, não estaria, ainda hoje, destruindo vidas que poderiam ser gratificantes? Por isso, sugiro: pensemos se as imagens narcísicas, tão difundidas pelas redes sociais, não fazem o papel de um espelho em que se querem ver refletida apenas a beleza ideal, pois o verdadeiro espelho da alma, revelador de vícios e maldades, está coberto, como no romance, pela pesada e densa cortina da vaidade. Busca-se ser o mais belo, o mais querido, o mais elogiado, o melhor. Busca-se ganhar o mundo. Mas, a verdade do espelho, me remete às palavras de Jesus, o Cristo: “Pois o que aproveita ao homem ganhar o mundo inteiro se vier a perder a sua alma?”
