A íntima relação evolutiva entre o Homem de Neandertal e nossa espécie desperta o interesse não apenas dos cientistas, mas também do público em geral. Graças à sua ampla distribuição geográfica e temporal — na Europa, Ásia Central e Sibéria, entre 430 mil e 40 mil anos atrás —, e a um rico registro fóssil, ele é o hominínio extinto mais conhecido.
Análises genéticas apontam que as duas espécies compartilham um ancestral africano, o Homo heidelbergensis, o qual migrou para a Eurásia há 600 mil anos, dando origem ao Homo neanderthalensis. Da população africana remanescente, por sua vez, originou-se o Homo sapiens, há cerca de 250 mil anos: este também deixou a África, há 60 mil anos. Foi nas gélidas regiões pleistocênicas do Hemisfério Norte onde as duas espécies se encontraram. A natureza das interações entre humanos modernos e neandertais, no entanto, permanecia incerta.
Com o advento do sequenciamento de DNA fóssil, uma das incertezas foi sanada. A comparação de seus genes mostrou que as populações atuais da Europa, Ásia e Américas possuem entre 1,5% e 2,1% de DNA neandertal, comprovando a ocorrência de intercruzamentos ocasionais há pelo menos 55 mil anos. Parte desse material genético teve impacto positivo na evolução humana. Genes envolvidos na distribuição da gordura corporal, adaptação a grandes altitudes, pigmentação da pele e imunidade inata — sobretudo na resposta antiviral — facilitaram a adaptação e persistem em algumas populações humanas.
Destaco dois exemplos relativos à infecção pelo SARS-CoV-2. O primeiro diz respeito ao conjunto de genes OAS, no cromossomo 12, os quais atuam na defesa celular contra infecções virais. Entre eles, a variante neandertal do gene OAS1 está associada a um risco 22% menor de hospitalização por COVID-19. Ela está presente em 30% das populações europeias e do sul da Ásia e em 20% das populações do leste asiático e das Américas. Outro exemplo é a variante G396R do gene codificador do anticorpo IgG1, presente no cromossomo 14 de populações do sudeste asiático. Em pacientes homozigotos, ou seja, com duas cópias da variante, há maior incidência da forma assintomática da doença em relação aos acometidos pela forma grave, assim como maior produção de anticorpos (Trends in Genetics, janeiro de 2025).
Porém, os efeitos adversos das hibridações não são raros: genes antes vantajosos podem ter-se tornado deletérios devido à origem de novos agentes infecciosos. Esse parece ser o caso de um segmento de DNA neandertal presente no cromossomo 3 de 50% dos sul-asiáticos e 16% dos europeus, estudado por Svante Pääbo, laureado com o Prêmio Nobel em 2022. Ele aumenta o risco de síndrome respiratória aguda grave e de hospitalização por coronavírus. Além disso, as mesmas variantes que conferem proteção contra uma doença podem predispor a outras, como as variantes G396R e OAS1, relacionadas, respectivamente, a um risco aumentado de lúpus eritematoso sistêmico e de doença de Alzheimer.
Esses exemplos ilustram como a miscigenação entre o Homo sapiens e o homem de Neandertal, ou com outros humanos arcaicos, deixou um legado genético complexo, incluindo tanto benefícios para a defesa quanto suscetibilidade a certas doenças.
